Comércio de rua

10/04/2010

Avenida Paulista, 10 de abril, duas da tarde.

A moça segura uma pequena cartolina branca, quadrada, coração desenhado em vermelho. Ao centro, manuscrito em preto: VENDO BEIJO.

Morena quase mulata, cabelão black, óculos de grau, nem magra nem gorda, recato na roupa, boca boa.

– Quanto custa?

– No rosto, 5 reais. Selinho, 10. De língua, 20.

– É tabelado?

– Não. Depende do cliente. Às vezes, é de graça. Às vezes, o dobro, o triplo. Pra você, 5, 10 ou 20.

– Vende muito?

– Hoje, tá bom. Sábado é sempre mais animado.

– E dá dinheiro?

– Paga as contas.

– E dá prazer?

– Não me queixo.

– Funciona como?

– Você me paga. Eu te beijo.

– Pago antes?

– Pagamento primeiro, mercadoria depois. Se não gostar, devolvo o dinheiro.

– Posso abraçar?

– Não. Só tem beijo, abraço acabou… E então, vai querer?

– Aceita fiado?

– Só amanhã.

– Amanhã eu volto.

*

A foto é de Joel Meyerowitz, Nova York, 1965. Está no saboroso Kissez, blog com centenas de beijos, garimpado por Dani Arrais.


Gato castrado não tem compaixão

08/04/2010

Heitor faz o de sempre. Ao me ver no sofá, com laptop no colo, se aproxima e escala. Passa ao largo do computador, amacia minha barriga como se uma almofada e deita. Cabeça no meu peito, olho no olho, quase bigode a bigode. E ressona.

Deixo o bicho lá, sossegado no lugar que lhe é de direito. Ergo a cabeça, desço um pouco o laptop e sigo torto a escrever. Tarefas cumpridas, e brota um surto de amor ao próximo. Abraço-o com força, dou-lhe um cheiro no cangote laranja.

Contra-ataque instantâneo: miado wolverine e arranhões na fuça. Quase me tira o gordo da orelha. Esfolado, seguro o computador, balanço, mas não caio. Emputecido, Heitor pula fora, vai fazer macio noutro lugar.  Na saída, ainda pisa no meu saco.


Dias chuvosos

07/04/2010

Rain people are very fragile… one mistake in love and they dissolve.


Ser gauche na vida

06/04/2010

Desconhecia. Comecei com “Hoje, Não”. Depois, “Brasília”.
Baixei o disco todo. É Juliano Gauche, cantando Sérgio Sampaio.
Tocando direto no ipod, até furar.
Mas o que grudou mesmo foi “Brasília”:
O olho do amor desconhece a armadilha.
http://tiny.cc/3jn54


Pupilas dilatadas

06/04/2010

Olho esquerdo, Retinógrafo Topcon TRC

Estereofoto de retina. Paquimetria ultrassônica. Topografia de córnea.

Quatro gotas e 40 minutos para dilatar. Duas para anestesiar.

O efeito dura seis horas.

Não consigo ler. De óculos escuros, vou para a livraria.


Crônica de viagem para Facebook

06/04/2010

Em pílulas, via celular, ao longo de uma semana.

*

Leonardo Cruz 8h30, maré baixa. 14h30, maré alta. 20h30, maré baixa. 2h30, maré alta. 8h30, maré baixa…

28 de março às 17:30

*

Leonardo Cruz começou uma amizade com um calango.

Leonardo Cruz começou uma amizade com uma jangada.

30 de março às 12:20

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Leonardo Cruz Chegada ao vilarejo, após 40 minutos de caminhada pela praia. Uma senhora nos vê e diz: “Olha os gaúchos! Vão ficar tudo ardido.” Nunca duvide da sabedoria popular.

31 de março às 10:50

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Leonardo Cruz começou uma amizade (carnal) com um protetor solar (fator 50).

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Leonardo Cruz Diálogo com um moto-taxista-bissexto.

Eu: aquele ali é seu irmão?

Ele: isso. É Abelardo, meu irmão. Ele é o policial aqui da vila.

Eu: ah, certo…

Ele: mas ele também é pastor. Pastor da igreja batista. Lá em Passo.

Eu: policial e pastor?

Ele: é. Policial aqui, pastor lá.

Eu: ah, certo… E você? É pastor também?

Ele: eu? Eu, não. Eu sou ovelha.

Eu: ah, certo…

*

Leonardo Cruz começou uma amizade com um peixe-boi de 300 kg.

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Leonardo Cruz começou uma amizade com o vento que levou embora a tempestade.

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Leonardo Cruz o prefeito daqui se chama Draga. O vice, Mala Veia. Na cidade vizinha, o mandatário é o Boi Lambão. E a primeira-dama? Vaca Lambida? Dias Gomes é eterno!

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Leonardo Cruz encerrou uma ótima semana na Praia do Toque, São Miguel dos Milagres, Alagoas.

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Leonardo Cruz Há uma nuvem de frisson no café do aeroporto. Enquanto o ator global vai embora, a atendente suspira: “Ai, se aparecer mais algum famoso hoje, eu tenho um negócio.” Cioso da saúde da moça, bebo incógnito o suco de laranja aguado.

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Leonardo Cruz Após uma semana de sol em Alagoas, desembarcar em São Paulo numa noite chuvosa e encarar a marginal é como cair em “Blade Runner”. Estou em casa.